O lançamento da Estratégia Nacional para Economia de Impacto (ENIMPACTO) pelo governo brasileiro (Decreto n. 11.646 de 16/08/23) abre uma oportunidade única para a criação de uma abordagem holística e integrada de enfrentamento às desigualdades sociais e às múltiplas prioridades de desenvolvimento que temos em nosso país.
De acordo com o Decreto, a ENIMPACTO se baseia em 5 eixos principais:
- Ampliação da oferta de capital para a economia de impacto;
- Aumento do número de negócios de impacto;
- Fortalecimento das organizações intermediárias;
- Promoção de um macroambiente institucional e normativo favorável à economia de impacto; e
- Articulação Interfederativa com Estados e Municípios no fomento à economia de impacto.
Para identificar soluções de impacto efetivo, o governo deve adotar uma abordagem que envolva toda a sociedade e trabalhar com líderes de diferentes setores e segmentos que possam razoavelmente defender seus interesses de forma a, juntos, encontrar convergência para o enfrentamento aos desafios coletivos da nossa era atual e do povo brasileiro.
Os inovadores sistêmicos de impacto socioambiental possuem essa visão holística e articuladora e, portanto, são peça fundamental na ação da estratégia, uma vez que criam soluções com as principais partes interessadas – esferas de governo, empresas, organizações da sociedade civil, mídia, acadêmicos, e lideranças comunitárias – a fim de alcançar impacto e escala duradouros.
Todos os inovadores sistêmicos de impacto socioambiental têm uma característica comum: um sentido de urgência para o impacto acelerado em direção a um futuro mais sustentável, equitativo e resiliente que possa ser verdadeiramente regenerativo para todos.
Esses pioneiros da linha de frente são cruciais para mudar os antigos modelos econômicos e extrativistas para novos modelos sustentáveis, pois têm perspectivas inovadoras e assertivas que se concentram em mudanças sistêmicas, ao invés de corrigir distorções individuais, e em comportamentos promotores de mudanças, enquanto agem para criar oportunidades para que outros se tornem também catalisadores da mudança.
O capítulo brasileiro do Catalyst 2030 – movimento global de inovadores sistêmicos de impacto socioambiental lançado no Fórum Econômico Mundial em 2020 para acelerar o alcance aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável[1] – foi convidado a ser membro do Comitê da Estratégia Nacional de Economia de Impacto, apresenta propostas de como os inovadores sistêmicos de impacto socioambiental podem contribuir em cada eixo proposto no Decreto deste ano:
1. Ampliação da oferta de capital
Restrições de capital são uma das maiores ameaças ao progresso da Estratégia Nacional de Impacto no Brasil. Os recursos públicos são limitados e poderão promover apenas parte da mudança necessária. Vale ressaltar que é importante não apenas trazer novo capital para o sistema, mas também alavancar o capital já existente de forma eficiente e eficaz. Existem várias maneiras de expandir o financiamento no Brasil, cada uma das quais será brevemente destacada a seguir.
- Alavancar o capital privado: seguindo o exemplo de Hong Kong, o Brasil poderia criar um Fundo de Desenvolvimento da Inovação Social Sistêmica e do Empreendedorismo de Impacto (Fundo DISEI), constituído para atuar como um catalisador de inovação sistêmica, fornecendo recursos e capacitação para todo o ciclo de vida de empreendimentos de impacto. Semelhante ao programa Juntos pela Saúde do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, os recursos públicos podem ser pareados com recursos da iniciativa privada, sinalizando a disposição de ambos para assumir e compartilhar riscos;
- Introduzir uma medida que traduza em valor monetário o impacto nos ODS, semelhante aos créditos de carbono;
- Incluir o impacto social e ambiental ao lado de considerações financeiras nos critérios de aquisição para:
- Equilibrar critérios financeiros com critérios de impacto social no processo de aquisição;
- Monetizar os resultados sociais ao lado dos resultados de negócios para permitir modelos de negócios multidimensionais (ex: sustentabilidade, diversidade, equidade)
2. Aumento do número de empreendimentos e soluções de impacto socioambiental
Embora certamente existam áreas que precisam de mais pesquisas e evidências, soluções existem e já estão sendo implementadas. Ao trabalhar com lideranças locais e inovadores sistêmicos de impacto socioambiental, é possível:
- Realizar o mapeamento abrangente das necessidades, lacunas e soluções existentes na ponta – idealmente no nível mais local, dentro de cada um dos 26 estados – realizado e articulado por inovadores sistêmicos de impacto socioambiental em áreas de atuação claras.
- Em áreas onde existem lacunas, a cópia do modelo de startups e de infraestrutura de inovação tecnológica ajustada à inovação social (incentivos, benefícios, investimentos, criação de hubs de inovação) é globalmente considerada como altamente eficaz.
- Encorajar e incentivar a colaboração entre inovadores sistêmicos de impacto socioambiental e o setor privado por meio de normativas que determinem a divulgação compulsória do impacto socioambiental das empresas e por meio de incentivos fiscais que promovam a parceria multisetorial em soluções inovadoras.
- Engajar o setor privado por meio de certificações e prêmios a soluções inovadoras desenvolvidas colaborativamente, valorizando o investimento à inovação sistêmica. Comemorar essas conquistas ajudará concretizar isso.
- Garantir transparência e compartilhamento de informações por meio do acesso a dados relevantes (em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados e de dados abertos) em portal centralizado acessível a inovadores sistêmicos de impacto socioambiental e outras partes interessadas.
3. Fortalecimento de Intermediários
A inovação sistêmica de impacto socioambiental e a criação de soluções viáveis pode ser um processo complexo. No entanto, o Brasil possui um ecossistema de inovação socioambiental vibrante e altamente eficaz, articulado nacional e localmente. Ao fazer parceria com esses inovadores, o governo pode acelerar drasticamente seus esforços no âmbito da Estratégia Nacional de Impacto, a partir das sugestões a seguir:
- Implementar, dentro do Comitê da ENIMPACTO, uma Câmara Técnica de Inovação Sistêmica Socioambiental com o mandato de garantir “assento à mesa” para líderes e/ou redes de inovação sistêmica a instâncias de governo para promover a articulação e contribuição nos processos de tomada de decisão. Este órgão fornecerá assertividade em pautas importantes para avanço da Estratégia Nacional.
- Oferecer à Câmara Técnica a autoridade para filtrar propostas e aquisições, garantindo que soluções inovadoras, mesmo em âmbito local, sejam trazidas à tona e financiadas para alcançar escalabilidade e mudança sistêmica.
4. Promoção de Ambiente Institucional e Normativo favoráveis
Um dos papéis mais importantes do governo dentro da Estratégia Nacional é criar um ambiente que permita e incentive a inovação. Isso é mais bem alcançado em um espaço colaborativo e co-criativo. Abaixo algumas sugestões de como isso pode ser feito:
- Definir “empreendimentos de inovação sistêmica de impacto socioambiental sistêmica” como um passo fundamental antes de projetar e promulgar leis e políticas. Inovadores sociais transitam entre empreendimentos com ou sem fins lucrativos, com propósito de fazer o bem, mas deparam-se com barreiras burocráticas complexas que limitam a capacidade de inovar.
- Concessão de benefícios fiscais a empreendimentos de inovação sistêmica de impacto socioambiental e isenção de impostos sobre doações e investimentos em inovação de impacto socioambiental.
- Criação de protótipos regulatórios visando estimular a experimentação de políticas públicas em pequena escala co-criadas por inovadores sistêmicos de impacto socioambiental e partes interessadas, que financiam e testam experimentos e institucionalizam inovações bem-sucedidas em cooperação com o governo.
- Estabelecer ferramentas participativas para a formulação de políticas (ex. consultas a inovadores sistêmicos de impacto socioambiental, audiências públicas com beneficiários, pesquisas digitais) para aumentar a participação de grupos interessados e permitir uma colaboração mais ampla entre os atores, bem como para a co-criação de tópicos e políticas associadas e mudanças regulatórias.
5. Articulação e implementação de políticas subnacionais
Por várias razões, o impacto da inovação sistêmica socioambiental no Brasil e, de fato, globalmente, é mais facilmente percebido no âmbito local já que muitas soluções têm efeito prático localmente. Nesse sentido, a maioria dos controles e incentivos tendem a funcionar melhor quando são localizados.
À medida que o governo articula a sua Estratégia Nacional, é importante que seja oferecido espaço para que a contextualização local e o aparecimento de soluções aconteçam. Isso pode ser obtido a partir das sugestões abaixo:
- Replicar modelo semelhante à Câmara Técnica de Inovação Sistêmica de Impacto Sociambiental em nível estadual e/ou municipal, permitindo a coordenação entre as três esferas de governo.
- Criar forças-tarefa estaduais para inovação social, em parceria com o setor privado e inovadores de impacto sistêmico socioambiental em nível local, trazendo a visão dos beneficiados ao processo.
- Alocar o orçamento localmente, permitindo a execução na ponta, e a supervisão central de um portfólio de iniciativas em nível nacional. A implementação local tende a ter maior aceitação das partes afetadas e a proporcionar soluções mais sustentáveis e perenes.
Ao lançar sua Estratégia Nacional para Economia de Impacto, o Brasil tem uma oportunidade única não apenas de se tornar um dos países mais inovadores e com visão de futuro do mundo, mas também de curar inúmeras feridas de nossa sociedade.
Uma abordagem colaborativa que integra governo, setor privado, inovadores sistêmicos de impacto socioambiental e os beneficiários que eles atendem trará as soluções práticas mais inovadoras, sustentáveis e equitativas que o país já viu.
As sugestões encontradas neste documento são descritas com muito mais detalhes com exemplos de casos nas publicações Catalyst 2030, New Allies, The New Allies Handbook e Turning Wheels, que examinam modelos de parceria entre inovadores sociais e governo, sua implementação e um guia prático para desenvolvimento liderado pela comunidade, respectivamente.
[1] https://catalyst2030.net/